quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Identidade

 Ava-Canoeiro


     Nada aniquilou ou domesticou a vitalidade resiliente dos sobreviventes ãwa, que seguiram adiante contando essencialmente com a sabedoria herdada de seus ancestrais, o vínculo amoroso entre eles e uma narrativa profética que prevê o retorno ao seu território de origem. As crianças que sobreviveram à captura e as que foram nascendo depois foram protegidas e cuidadas pelo pajé Tutawa com afeto e dedicação exemplares, a quem ensinou a língua, práticas rituais e batizou com os nomes-alma dos antepassados, conforme a tradição ãwa, mantendo uma das mais importantes formas de continuidade do legado tupi-guarani (Viveiros de Castro 1986). Apesar do contexto de forte discriminação, os descendentes do grupo contatado auto identificam-se como Ãwa ou são reconhecidos pelo grupo e pela comunidade local como Avá-Canoeiro.

Língua

    A língua avá-canoeiro pertence à família tupi-guarani, do grande tronco linguístico tupi. Com a separação dos dois grupos conhecidos de Avá-canoeiro desde o início do século 19, foram desenvolvidas significativas diferenças dialetais entre o grupo do médio Araguaia e o do alto Rio Tocantins. Todos os Avá-Canoeiro do Araguaia falam ou pelo menos compreendem a língua avá-canoeiro, como foi constatado pela linguista Mônica Veloso Borges, professora da Universidade Federal de Goiás e estudiosa da língua avá, durante oficina com o grupo em 2013

     A língua persiste notavelmente, apesar de um contexto social extremamente adverso, pois os Avá são um grupo minoritário que vive em uma posição de marginalização social nas aldeias javaé e karajá. Pode-se dizer os Avá-Canoeiro do Araguaia são um grupo multilíngue, pois praticamente todos também falam o Português e falam ou compreendem os dialetos karajá e javaé, da língua karajá, do tronco linguístico macro-Jê.

A Relação com os recursos naturais e a cultura material

    Os Avá-Canoeiro, mais por contingência histórica do que por opção cultural, abandonaram as canoas e a agricultura e privilegiaram as atividades de caça e coleta, que tiveram que ser adaptadas ao regime de inundações do médio Araguaia. Eles restringiram a sua ocupação territorial às matas interioranas e capões de mato mais inóspitos dos interflúvios, distantes das margens dos grandes cursos d’água, onde podiam se refugiar tanto dos povos indígenas ribeirinhos que dominavam a região historicamente como dos brancos que passaram a frequentar e ocupar o vale do Javaés.

     Todavia, os Avá-Canoeiro atuais também demonstram continuidade com os antepassados por meio da sua relação com os recursos naturais. Em seu estudo comparativo sobre os povos tupi, o antropólogo Roque de Barros Laraia (Laraia , 1986) chega à conclusão que duas características principais os distinguem de outros povos indígenas: “a sua filiação linguística e a sua fidelidade a um tipo de habitat comum, a floresta”, categoria que pode incluir diversos tipos de cobertura vegetal e que tem uma importância tanto econômica quanto simbólica. A agricultura e a caça, nesta ordem, seriam as fontes de alimento mais importantes.

     O padrão de habitação e o uso dos recursos naturais foram condicionados, em grande parte, pelas condições críticas de sobrevivência que o grupo enfrentou historicamente, o que levou a grandes alterações, incluindo a perda de antigos hábitos e a inclusão de novos. 

Mesmo assim, eles continuaram sendo “povos da floresta”.

     Assim como a caça, a coleta de recursos vegetais e animais foi uma atividade de grande importância para os Avá-Canoeiro dos dois grupos antes e depois do contato. Do mesmo modo que a captura de animais, a coleta de frutas e outros recursos ainda é praticada, na medida do possível, com uma periodicidade determinada pelos respectivos ciclos sazonais, embora esteja bastante prejudicada atualmente em função das proibições impostas pelos moradores brancos

    O algodão era usado para a amarração de flechas e, ocasionalmente, para a tecelagem. 'Tutawa' se lembrava de uma rede de algodão feita no passado, embora as redes de palha de buriti fossem mais comuns. O urucum era usado para pinturas corporais pelos homens e mulheres e também para pintar os ossos do morto em uma cerimônia funerária no enterro secundário.

    As novas gerações aprenderam a pescar peixes e tartarugas nas aldeias dos pescadores javaé e karajá. No Araguaia, Tutawa estimulou seus netos a retomarem a pintura dos corpos ao modo tradicional, com a tinta preta de jenipapo, depois do reconhecimento da Terra Indígena Taego Ãwa pela FUNAI, em 2012, quando a nova geração iniciou uma peregrinação aos centros de decisão em busca da regularização fundiária de sua terra tradicional. O filme Taego Ãwa (2016) exibe uma emocionante cena de pintura corporal dos Ãwa na aldeia Boto Velho, dos Javaé.

Xamanismo e Cosmologia

  Resiliência talvez seja o conceito mais apropriado para compreender a sua organização social, enquanto uma estrutura eminentemente histórica de mediação entre a tradição herdada e a situação de dominação. Os Avá-Canoeiro têm demonstrado ter mecanismos próprios – mesmo em uma situação-limite – para atuar sobre uma conjuntura desfavorável a partir de estruturas sociais e cosmológicas ancestrais e dinâmicas. 

   Em seu livro clássico sobre os Araweté, onde faz uma revisão minuciosa da bibliografia sobre os povos de língua tupi-guarani, apontando traços gerais desses povos, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (Viveiros de Castro, 1986) conclui que a resistência à mudança social imposta pela sociedade brasileira se deu principalmente pela “vida religiosa”, associada ao xamanismo e a um elaborado discurso mítico e cosmológico. Desse modo, a “organização social” é indissociável da cosmologia e da mitologia.

    A história da colonização é incorporada à escatologia e às visões xamânicas, revelando que a cultura avá-canoeiro não é uma entidade estática e rígida que se desfaz diante do contato, mas uma mediação constante entre o passado e o presente, identidade e alteridade, tradição e colonização, de modo que os novos Avá-Canoeiro continuam se recriando como Ãwa a seu modo e apesar de todas as restrições.

A Importância da Nominação

  O processo de nominação dos Avá-Canoeiro do Araguaia indica, no mínimo, uma profunda consciência histórica e política do grupo, que está sendo transmitida para as novas gerações. Além de reproduzir padrões culturais antigos, indica também uma forma de se recriar e perpetuar a identidade ãwa no novo contexto de opressão e casamentos interétnicos, atualizando o vínculo dos novos Avá-Canoeiro com seus parentes vivos e com seus antepassados. Pode ser vista também como uma forma de memória do passado que não deve ser esquecido, de homenagem e ligação afetiva com os mortos ou de reconhecimento do seu sofrimento e importância para o grupo.

 

Referências:

Patrícia de Mendonça Rodrigues

Disponível em:

https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Av%C3%A1-Canoeiro

 


Voz Indígena


 Vozes inéditas, perspectivas únicas Mais de cento e cinquenta milhões de homens, mulheres e crianças em mais de sessenta países vivem em comunidades indígenas. Da Amazônia ao Kalahari, das selvas da Índia à floresta tropical do Congo, Voz Indígena oferece uma plataforma. Os indígenas são os melhores guardiões do mundo natural, mas experimentam um terrível racismo e uma violência genocida. Suas terras e recursos são roubados em nome do lucro. Seus modos de vida estão sendo deliberada e sistematicamente destruídas. Aqui eles falam sobre o que importa para eles; assista, ouça e se mobilize. 

O mundo precisa dos povos indígenas. Vamos lutar juntos pela sua sobrevivência. Saiba mais em svlint.org/Voz-Indígena

Compartilho aqui o link do vídeo da
Kamutaja Silva Ãwa
para que todos possam se juntar à luta do povo Ãwa da maneira como puderem, nesse momento urgente para a vida dos povos isolados. Divulguem o link, vídeo e acompanhem as divulgações conforme o texto abaixo.
“O nosso grupo não pode morrer assim”
Os indígenas isolados Ãwa da Mata do Mamão, na Ilha do Bananal (TO), estão cercados de perigos. Neste vídeo, Kamutaja Ãwa, parente desses isolados, lembra a trágica história do contato forçado de sua família e pede que os direitos dos isolados sejam respeitados.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Ava canoeiro, Canoa Canoa, Milton Nascimento


Memória Histórica- Avá-Canoeiro

 

                                   

Modalidades de Terras Indígenas

Nos termos da legislação vigente (CF/88, Lei 6001/73 – Estatuto do Índio, Decreto n.º1775/96), as terras indígenas podem ser classificadas nas seguintes modalidades:

  • Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas: São as terras indígenas de que trata o art. 231 da Constituição Federal de 1988, direito originário dos povos indígenas, cujo processo de demarcação é disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96.

  • Reservas Indígenas: São terras doadas por terceiros, adquiridas ou desapropriadas pela União, que se destinam à posse permanente dos povos indígenas. São terras que também pertencem ao patrimônio da União, mas não se confundem com as terras de ocupação tradicional. Existem terras indígenas, no entanto, que foram reservadas pelos estados-membros, principalmente durante a primeira metade do século XX, que são reconhecidas como de ocupação tradicional. 

  • Terras DominiaisSão as terras de propriedade das comunidades indígenas, havidas, por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil.

  • Interditadas: São áreas interditadas pela Funai para proteção dos povos e grupos indígenas isolados, com o estabelecimento de restrição de ingresso e trânsito de terceiros na área.A interdição da área pode ser realizada concomitantemente ou não com o processo de demarcação, disciplinado pelo Decreto n.º 1775/96. 


Fonte: Dhttp://www.funai.gov.br/index.php/indios-no-brasil/terras-indigenasecreto n.º 1775/96.

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